Entre a sanfona e o solo fértil, estudantes mergulham em práticas agroecológicas no interior de Sergipe
Atividade de campo amplia o olhar dos estudantes sobre sustentabilidade, cultura rural e novos caminhos para a agricultura familiar
No verão, quando o sol castiga a terra da região do Baixo São Francisco sergipano, Matheus Francisco costuma cruzar o pasto com uma mangueira em mãos para encher o velho tanque de cimento. Enquanto o pai trabalha longe, no Mato Grosso do Sul, é ele quem, ao lado da mãe, assume os cuidados com os bovinos da família: verifica cercas, trata dos cavalos arrendados, aplica remédios contra carrapatos. A vida rural não é novidade para ele, mas ver, ao vivo, um sistema agroecológico estruturado — onde até a comida dos ovinos é planejada com diversidade e equilíbrio — ampliou seu entendimento sobre práticas sustentáveis. Estudante do primeiro ano do curso técnico em Agropecuária do Instituto Federal de Sergipe, Campus Propriá, Matheus integrou o grupo que participou, no último dia 17, de uma visita técnica à Fazenda Baixinha, localizada no município sergipano de Graccho Cardoso.
A recepção na Fazenda Baixinha foi diferente do habitual. José Eduardo Matos, zootecnista e responsável pela propriedade, apareceu debaixo de uma árvore tocando sanfona, criando um ambiente acolhedor para os estudantes. Mais tarde, os jovens descobririam que o anfitrião também é conhecido nas redes sociais como “Bodeiro Ovelheiro”, criador de conteúdo com mais de 18 mil seguidores no Instagram, onde compartilha vídeos educativos sobre manejo agroecológico, alimentação animal e sistemas de pastejo. A propriedade de 29 hectares é voltada à produção de ovinos da raça Santa Inês, num sistema agrossilvipastoril que prioriza a regeneração do solo e o equilíbrio produtivo com base na conservação ambiental e nos saberes da agricultura familiar. No banner exposto na entrada da propriedade, lê-se a forma como José Eduardo apresenta sua história: “A família combina tradição e inovação, promovendo sustentabilidade, preservando o equilíbrio e valorizando saberes tradicionais”.
Enquanto os estudantes se ambientavam com a paisagem diversa e o clima de acolhimento, os olhares mais técnicos percebiam ali algo ainda mais profundo: um modelo prático de ensino vivo. Professor de zootecnia, Tomás Guilherme destacou que a produção animal na Fazenda Baixinha se diferencia por respeitar o bem-estar dos animais e permitir que eles expressem seus comportamentos naturais. “É um sistema intensivo, familiar, mas com uso criterioso de tecnologias e práticas sustentáveis”, destacou. Segundo ele, o manejo dos ovinos da raça Santa Inês se destaca por priorizar a saúde dos animais e do solo. O uso de cerca elétrica móvel, testes com vermífugos naturais, pastejo rotacionado e agrofloresta foram algumas das práticas que mais chamaram a atenção da turma. “Essas visitas são fundamentais para a formação técnica, pois colocam os alunos em contato com realidades produtivas e profissionais inspiradores”.
Ao longo da visita, os estudantes puderam discutir e observar, diretamente no campo, uma série de temas fundamentais para a formação em agropecuária. Entre os assuntos abordados, estavam as instalações e equipamentos para ovinos, o funcionamento do pastejo rotacionado, o manejo alimentar, sanitário e reprodutivo dos animais, o melhoramento genético de pequenos ruminantes, a regeneração de solos em articulação com os sistemas agroflorestais, o uso de cercas elétricas e o papel da agricultura familiar no contexto da transição agroecológica. A vivência permitiu que os alunos enxergassem com clareza como diferentes áreas do conhecimento técnico dialogam no cotidiano de uma propriedade rural que alia produção e sustentabilidade.
O agricultor como guardião da terra
Para Daniela Nizio, professora responsável pela disciplina de agronomia, a vivência na Fazenda Baixinha fez o conhecimento teórico ganhar forma e cheiro de mato. “Os alunos passaram a compreender com mais clareza o que é a agroecologia. Viram que é possível produzir alimentos saudáveis respeitando os ciclos da natureza, sem depender de insumos químicos. A diversidade de culturas, o uso racional da água e a regeneração do solo estavam ali, diante deles”, comentou. Daniela relatou ainda que os estudantes se impressionaram com a trajetória de José Eduardo e seu pai, que transformaram a visão que tinham do campo e mostram hoje que produção e sustentabilidade podem andar juntas. “Eles perceberam que cada planta na fazenda tem um motivo de estar ali. E isso fez toda a diferença.”
De acordo com o Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo IBGE, a agricultura familiar é responsável por cerca de 77% dos estabelecimentos agropecuários do país e por 67% dos empregos no campo. Além disso, dados da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e de estudos publicados pela Embrapa indicam que os sistemas agroecológicos, ainda que menos prevalentes, apresentam maior resiliência climática e promovem uma melhor conservação dos recursos naturais. A Fazenda Baixinha se insere nesse cenário como exemplo de que é possível integrar produção animal, recuperação de solos e saberes locais em um mesmo sistema, sem recorrer a insumos industriais ou práticas agressivas ao meio ambiente.
O olhar dos que observam e aprendem
No meio da turma, o estudante Kauê Andrade Silva prestava atenção em cada detalhe. Vindo de família que pratica agricultura de forma parecida, ele viu na visita um espelho da sua própria história. “O que mais me marcou foi o sistema agroecológico que eles usam. É parecido com o que alguns parentes meus fazem, mas com mais estrutura e organização”, comentou. Para Kauê, a Fazenda Baixinha mostrou que é possível inovar mesmo com práticas simples, respeitando o ambiente e sem depender de máquinas ou grandes investimentos. “Essa experiência mostra que dá pra fazer diferente, e isso influencia o que penso pro meu futuro”.
Ao fim da visita, os alunos deixaram a sombra da árvore onde ouviram sanfona e histórias sobre ovinos, cercas móveis e raízes profundas. José Eduardo Matos, o Bodeiro Ovelheiro, voltava para as redes sociais e para os cuidados com os animais, mas sua fala — e sua forma de viver a terra — ficavam como marca na memória dos estudantes. Para além de uma atividade curricular, a ida à Fazenda Baixinha revelou-se como uma aula expandida de agroecologia, cultura, tecnologia e resistência. O campo, naquele dia, foi mais do que pasto e cercas: foi espaço de inspiração.
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